0 panorama da arte brasileira no que concerne especificamente à escultura merece uma reflexão profunda e por que não dizer uma investigação sobre a escultura do século XX, seus personagens, movimentos, tendências, etc., para que nessa viagem se possa situar e avaliar a obra do escultor brasileiro VICTOR BRECHERET, sem que se pretenda, neste Web Site, uma analise completa de seus trabalhos. BRECHERET foi um artista que viveu até meados do século XX e que, embora participante e responsável pelos movimentos artísticos de maior importância no contexto do Brasil de sua época, em momento algum deixou de ser um escultor de formação clássica e ao mesmo tempo um pioneiro até sua morte, o que à primeira vista pode parecer paradoxal. Clássico na sua formação, na sua técnica extremamente apurada de profundo conhecedor do seu "metier" fundem-se no artista o artesão e o criador de obras monumentais. 0 artista precocemente demonstrou o que queria da vida quando adolescente faz seus primeiros estudos no "Liceu de Artes e Ofícios", em São Paulo, para posteriormente, em 1913, não mais podendo se expandir naquele local de aprendizado, ir para Roma, lá permanecendo até 1919. Nessa fase que poderíamos denominar "italiana", BRECHERET freqüentou vários estúdios de escultores, aprendendo nos mínimos detalhes a arte de esculpir, desde o amassar do barro, a leitura de formas de gesso, o estado da pedra e do mármore, passando por um rígido aprendizado da anatomia humana e animal, no período em que trabalhou como discípulo do escultor italiano Dazzi. Sua trajetória artística é "sui generis" se comparada com a de seus contemporâneos, inclusive os pintores. Tendo iniciado seu aprendizado em Roma, já em 1921 retornava à Europa, desta feita para Paris, pensionado pelo governo paulista, onde permaneceu até 1935/1936 vivendo uma atmosfera privilegiada artisticamente, quem sabe a mais rica de todas as suas experiência, haja vista que, contrariamente aos demais artistas, venceu primeiro na Europa, mais precisamente em Paris, para posteriormente vencer no Brasil, justificando assim essa sua faceta muito particular. Não obstante seu rápido retorno à Europa, foi um dos integrantes da "Semana de Arte Moderna de 1922". Embora não tivesse permanecido fisicamente durante o período de comemoração da Semana, BRECHERET participou com doze escultoras por ele selecionadas e deixadas com seu amigo Paulo Prado. Seu período em Paris, que pode ser chamado de "fase parisiense", apresenta um artista diverso daquele que passara seis anos em Roma utilizando toda a experiência adquirida para dirigir sua arte por caminhos muito próprios, embora vivendo o momento artístico parisiense em que trinta mil artistas procuravam um "lugar ao sol". BRECHERET viveu o "art-déco" e "noveau", mas manteve acima de tudo um estilo próprio, visto que para aqueles que conhecem seu trabalho as obras desse período são inconfundíveis, possuidoras de um traço pessoal. Nesse período expôs constantemente em todos os salões que se realizava como o "Salon d'Automne", "Salon de la Société des Artistes Français - Section de Sculpture et Gravure sur Pierre", "Salon des lndépendents". Várias obras ali premiadas encontram-se hoje em São Paulo, como, por exemplo, a "Mise au Tombeau", premiada no "Salon d'Automne" de 1923 que se encontra presentemente no túmulo da família Guedes Penteado. E foi nessa mesma Paris que em 1925 BRECHERET recebeu a "Menção Honrosa" na exposição do "Salon de Ia Société des Artistes Français-Section de Sculpture et Gravure sur Pierre da mesma forma que em 1934 recebe de governo francês a "Cruz da Legião de Honra, a título de Belas-Artes, no Grau de Cavaleiro" por ocasião da aquisição pelo mesmo governo de sua obra 0 Grupo, que primitivamente figurou no Jeu de Pomme e que agora se encontra na cidade de "La Roche-sur-Yon", na região da Bretanha, em um logradouro público anexo à biblioteca local. Os anos 40 e 50, que abrangem os últimos quinze anos de vida de BRECHERET foram igualmente férteis não apenas em criatividade artística mas também em termos de produção, bastando verificar que nesse período elaborava o Monumento às Bandeiras e o Monumento a Caxias, esculpia o Fauno, Depois do Banho, que se encontra no "Largo do Arouche", a fachada externa do "Jockey Club", os baixos-relevos do antigo "Moinho Santista", que hoje se encontram no Banco Bandeirantes. 0 período que abrangeu os anos 40 e 50 pode ser denominado "período brasileiro" quando o artista, fortemente impressionado com a cultura indígena do seu país, passa a retratar suas figuras e costumes através das suas terracotas, cujo arrojo de concepção se reflete até os dias de hoje como obras que apresentam certa dificuldade de compreensão, o que nos leva a indagar o impacto produzido na época. Desta época podemos lembrar Bartira, encomendada praticamente por Guilherme de Almeida, quando o poeta solicitou a BRECHERET que ilustrasse sua obra Acalanto de Bartira. Em 1951 BRECHERET vence a "I Bienal Internacional de São Paulo" com a obra O Índio e a Suassuapara, cujo exemplar em bronze se encontra na Antuérpia, Bélgica, no "Middelheim Museu", juntamente com os grandes escultores contemporâneos. Este trabalho e os demais expostos naquela Bienal apresentam uma invasão do artista no mundo abstrato, cuja concepção depois de quase quarenta anos ainda é extremamente moderna, como um marco pioneiro na escultura contemporânea brasileira. Durante todos esses anos muito se escreveu sobre BRECHERET, sem que no entanto houvesse uma preocupação científica a respeito da sua obra, em que vemos constantemente alusões aos artistas que o influenciaram, tais como Brancusi, Mestrovic e outros, sem se perquirir a quem BRECHERET influenciou . Permanecendo cerca de vinte anos na Europa, conviveu com os grandes artistas da época, a tal ponto que expunha constantemente com Bourdelle, Pompom, Zadkine e outros, num mesmo nível profissional e artístico, como na exposição "Peintres et Sculpteurs de L'Ecole de Paris, à la Ranaissance, du 19 juillet au 15 octobre de 1926", o que acarreta, efetivamente, um estudo sobre sua obra em nível internacional. Muito poderíamos falar sobre o artista, sua obra, sua pessoa, mas pensamos que a oportunidade deste Web Site fala por si, pois tudo quanto aqui está inserido propicia o ensejo há tantos anos desejado, onde se podem constatar o alcance e a importância da obra de BRECHERET que, após a posição ímpar do Aleijadinho, tem a grande responsabilidade de representar a escultura brasileira contemporânea no cenário internacional.
Sandra Brecheret Pellegrini
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